O entusiasmo para a masterclass de Gaspar Noé era palpável pelos corredores do Centro Multimeios de Espinho durante a tarde do terceiro dia do FEST. O celebrado realizador por detrás das obras desafiadoras e marcantes Irréversible (2002), Enter the Void (2008) e Climax (2018), dispensa quaisquer títulos pomposos que possam ser usados para o descrever. Rejeita a visão do realizador como artista, acreditando antes numa visão incrivelmente colaborativa no seus sets de rodagem.
O rótulo de masterclass faz, também, alguma confusão a Gaspar Noé, ainda que fosse inegável para qualquer pessoa presente na sua palestra de ontem que estavam perante um dos grandes mestres do cinema da atualidade. Aquilo que Noé transmite para o público é verdadeiro, livre e desprovido de artífice. A liberdade de pensamento e ação que permeia os seus filmes, esteve igualmente presente no seu discurso, caracterizado pela total ausência de cinismo, pretensiosismo ou vergonha.
Durante mais de duas horas, os participantes da 18º edição do FEST tiveram a oportunidade de dissecar a mente de um visionário através de perguntas retribuídas sempre com total honestidade. Noé falou sobre o seu processo criativo em nada ortodoxo, da sua propensão para o improviso e para a exploração dos “brinquedos” que o cinema tem para oferecer como o 3D, o split screen e os drones.
Para Noé, na sua preparação, na seleção de talentos, nas próprias filmagens, e também na edição (que o realizador franco-argentino faz praticamente sozinho), a palavra de ordem é “liberdade”. E quando a falta de regras corre mal, corta-se a cena. Criar cinema, algo que é tão intimidante para tanta gente, é para Noé uma segunda natureza, que ocorre organicamente, e quanto mais rápido melhor.
“Como Godard, eu quero ser o realizador que consegue financiar o seu filme com apenas duas páginas de guião”, Noé confessou. É assim que trabalha melhor, dentro de um ambiente sem limitações, ainda que admita que se há algo difícil no processo de fazer um filme, é lidar com o dinheiro e as pessoas nos altos postos que decidem sobre ele.
Durante a sua conversa com os participantes do FEST, saltaram à vista a peculiaridade e excentricidade de Noé, mas também uma simpatia de uma sinceridade e acessibilidade tremendas. A combinação criou um ambiente imperdível em Espinho que permitiu a todos presentes dar asas à sua mais íntima imaginação.
Francisca Tinoco e Carolina Gonçalves