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Programa de Indústria — Destaques do quinto dia
10.10.2021

A 17.ª edição do FEST entrou, este sábado, na sua reta final, mas guardou o melhor para o fim. A semana de sessões exclusivas e perfeitamente abrangentes culminou na masterclass da realizadora catalã Isabel Coixet ao entardecer do dia 8, mas o fim de semana trouxe ao Multimeios de Espinho ainda mais mestres do cinema.

Com um cartaz de luxo, o programa de indústria para dia 9 contou com Dörte Schneider (São Jorge) e os aclamados escritores e cineastas Tony Grisoni (Fear and Loathing in Las Vegas), Irvine Welsh (Trainspotting) e Kleber Mendonça Filho (Bacurau). 

Sem nunca esquecer os assuntos mais urgentes da atualidade, a primeira masterclass do dia, com Dörte Schneider, foi dedicada à sustentabilidade no cinema, e a como fazer cinema verde! Greenshooting, ou filmagem verde, é a introdução de práticas amigas do ambiente no processo de produção cinematográfica com o objetivo de reduzir a pegada ecológica da indústria. É a esta cruzada que Schneider tem vindo a dedicar a sua carreira, enquanto assistente de realizador e green consultant (ou consultadoria verde). Esta apresentação não só permitiu aos participantes adquirir valiosa literacia climática como provou que usar os recursos de forma mais eficiente e consciente só tem como ajudar a produção cinematográfica. Desde fases tão iniciais como o guionismo, passando por todas as etapas de pré-produção e filmagem, até à pós-produção, fazer filmes pode e deve ser uma prática sustentável. Schneider proporcionou ferramentas e dicas que os membros da audiência poderão aplicar em cada um dos seus projetos.

“Eu quero ser surpreendido e maravilhado. É por isso que fazemos isto”, disse Tony Grisoni em resposta a uma questão sobre a forma como aborda escrita baseada em testemunhos de pessoas reais. “Surpreendente” poderá ser a palavra perfeita para descrever o incrivelmente rico catálogo deste argumentista. Foi um vídeo com os grandes destaques da sua carreira que abriu a segunda masterclass do dia, enquanto Grisoni fazia piadas sobre como o nível da palestra só iria piorar a partir de então, o que não podia ser mais longe da verdade. O argumentista cativou a audiência do início ao fim com um storytelling sublime e uma retrospetiva sobre décadas de proezas cinematográficas e irreverência com o medium. Bom humor e gargalhadas, mas também períodos de reflexão sobre a arte de escrever e criar vida fictícia, encheram o Auditório durante toda a palestra. Uma importante lição de Tony Grisoni? Fazer trapalhada. Primeiro, fazer trapalhada, e depois poderão voltar ao que fizeram as vezes que desejarem, e dar-lhe forma. Mas, “a melhor coisa que podem fazer é escrever m*rda”. O resto seguir-lhe-á.

A conversa chegou à sua conclusão com perguntas da audiência e respostas de Grisoni, que foram tão sensatas e carismáticas que poderiam facilmente ter sido escritas. “Eu falho todos os dias”, Grisoni confessou sobre a sua rotina de escrita, “e essa é uma boa nota para terminar esta conversa. Vamos acabar com fracasso”. Mas nada no longo aplauso que se seguiu se assemelhou a fracasso. 

Irvine Welsh continuou o destaque do dia para a escrita. Enquanto romancista e argumentista, o ícone da ficção escocesa partilhou lições de vida valiosas que deixaram os participantes colados às suas cadeiras. O cinema enquanto processo colaborativo que conta com as habilidades de profissionais de inúmeras disciplinas foi algo sublinhado por Welsh ao longo de toda a palestra, desafiando a visão de cinema de autor. Sendo esta também a razão referida pelo autor para os percursos paralelos de escrever livros e escrever roteiros que caracteriza a sua carreira. 

De forma cândida, descontraída e com uma dose saudável de humor negro, o orador mostrou e discutiu excertos de vários dos seus filmes, quase sempre protagonizadas pela Escócia e a índole humana de personagens duvidosas. O maior nome do seu catálogo, Trainspotting, teve a centralidade esperada, mas outros êxitos como Filth também foram mencionados, com Welsh a confessar que a performance de James McAvoy neste último filme era das melhores que alguma vez tinha visto.

Um dos maiores dias do FEST fechou com a masterclass de Kleber Mendonça Filho, que se juntou a Espinho através de videocall. O aclamado realizador brasileiro chamou atenção este passado julho quando, em Cannes, criticou a atitude do governo brasileiro para com o setor da cultura. Na sua masterclass, Mendonça mostrou alguns clipes dos seus filmes, acompanhando-os com comentários exclusivos. O realizador explicou que o caráter político da sua obra não é intencional, mas vem das histórias humanas que os seus filmes contam, sobre ultrapassar obstáculos que, muitas vezes, surgem da forma como a sociedade está organizada.

Este toque humano, o realizador partilhou, está ancorado a experiências verdadeiras da sua vida que, por várias vezes, acabaram por ser integradas nos seus filmes. Mendonça admitiu que as suas histórias podem ser interpretadas como políticas, e que, apesar de nunca rejeitar estas leituras, este raramente é o seu foco no processo de fazer cinema. Para este cineasta, o mais importante é desenvolver uma história interessante e encontrar formas entusiasmantes de a capturar visualmente. Num ambiente relaxado, com a simpatia de Mendonça, a audiência do FEST pôde passar umas horas com um dos realizadores brasileiros mais proeminentes da atualidade.

 

Artigo redigido por Francisca Tinoco.