A coragem da arte, a sobrecarga da digitalização do mundo e a nostalgia por um tempo mais humano de simples emoções — foram estes os temas que permearam a grande maioria da seleção para a competição do Grande Prémio Nacional da 17.ª edição do FEST, toda ela com cunho português.
Realizadores, produtores, atores e membros das restantes disciplinas cinematográficas afluíram à sala de cinema do Casino de Espinho entre sexta-feira, dia 9, e sábado, dia 10, para celebrar a experiência comum do cinema e dar extensão às 22 obras em competição.
“Não queremos que o nosso filme leve a audiência pela mão, dizendo-lho como se sentir”, foram as palavras de Lucas Elliot Eberl que, em conjunto com o português Edgar Morais realizaram um dos filmes de destaque e recetor de menção honrosa do júri do festival. Rodado em Los Angeles, We Won’t Forget é um exercício em cinema de desconforto, e uma peça de reflexão e crítica sobre a sociedade de vigilância em que vivemos, onde qualquer episódio pode acabar gravado e no permanente registo da web.
Esta saturação e preocupação com mundo digital foi um tema recorrente no cartaz. Alberto Seixas, realizador de Hunting Day, confessou optar pelo uso de película e de uma câmara Super8 para contrariar a crescente digitalização das imagens nos dias de hoje. Em Annexus, Claudia Moreno desconstrói o processo de comoditização da figura feminina pela sociedade visual e consumista.
Ainda assim, os tempos de pandemia vieram, por outro lado, pôr em evidência os benefícios que a tecnologia também pode oferecer. Sobrevoo de Rúben Sevivas, Uma Mulher Com Uma Câmara de Tiago Iúri, e Como Gado de Matilde Calado são todos projetos que nascem do isolamento da quarentena e da proeza de fazer cinema dentro de quatro paredes, com equipamento mínimo.
Quiçá também devido à situação extrema do último ano e meio, a nostalgia preencheu grande parte dos filmes em competição. Em O Voo das Mantas, Bruno Carnide une gerações passadas, presentes e futuras num exercício inspirado na sua própria vida familiar. Já Tália de Pedro Cruz e David Gomes e Mulher Como Árvore, do quinteto de realizadores D. Cajías, H. Faria, F. Ferreira, C. Tortosa e A. Miguel, documentam a vida de duas mulheres no interior de Portugal e Espanha respetivamente, que lutam contra o crescente isolamento destas comunidades e o desaparecimento da tradição. Este último título teve direito, também, a uma menção honrosa na competição do Grande Prémio Nacional.
De igual forma, a curta de animação Casa 52, com uma grande ênfase nos tempos passados e nos laços familiares, e um projeto espinhense na sua totalidade, realizado pelas locais Helena Bernardes e Margarida Rocha, trouxe emoção à sala de cinema. Tal como este título, que teve Espinho como protagonista, também Musgo de Alexandre Guimarães e Gonçalo L. Almeida deu centralidade à região de Trás-Os-Montes e o grande vencedor desta competição, Miraflores de Rodrigo Braz Teixeira, ofereceu uma exploração crua, mas humorística desta zona do concelho de Oeiras. A marca portuguesa não faltou.
Miraflores convenceu o júri do FEST com um argumento de grande urgência emocional e uma inteligente junção de uma comédia grosseira com um humor subtil e inesperado. As imagens brilhantemente capturadas do bairro de Miraflores à luz do sol e os planos íntimos das diversas personagens completam o filme galardoado.
Artigo redigido por Francisca Tinoco.
Fotografias por Emily Romero e Vitória Moleirinho.