New Directors | New Films
Compreender o Realismo Social
15.03.2019

Apenas alguns dias após termos anunciado a presença de Jonathan Morris no FEST 2019, onde irá discutir as suas perspetivas sobre a edição de filmes de realismo social, vamos compreender melhor o que é o “Realismo Social”.

Embora a arte seja intemporalmente reconhecida como uma forma de expressão, nos anos 20 e especialmente na pintura, a arte assumia a sua forma como surrealista ou expressionista. Quando aplicada ao cinema, o foco da forma da arte era a romantização do enredo e a estética dos planos.

Motivados pelas profundas mudanças que se verificavam no mundo na altura, nomeadamente com a Revolução Industrial e a Grande Depressão, os artistas começaram a virar-se para o realismo. A arte realista tinha como objetivo ser acessível e compreensível para todos, conseguindo assim englobar uma audiência mais vasta, ao mesmo tempo que a tentava representar.

 

É aqui que assistimos ao nascimento do “Realismo Social”.

O movimento “Realismo Social” refletido na pintura surgiu entre 1920 e 1930. Depois de ultrapassada uma guerra, e nunca esperando outra, praticamente todos os países do mundo estavam a recuperar de uma decadência politica, social e económica. Contudo, a chegada do realismo social ao cinema veio só em 1950. Nos anos 60, filmes de realismo social começaram a tornar-se verdadeiros sucessos comerciais, já que as pessoas se apressaram aos cinema para ver obras como “Billy Liar” (1953) ou “Cathy Come Home” (1966). Ao sentir a necessidade de se direcionarem a eventos reais, estes filmes, regra geral, tocavam em assuntos desagradáveis como o desemprego, no caso de “Billy Liar” e a mendicidade, no caso de “Cathy Come Home”.

Este movimento artístico quase pode ser desmistificado com uma simples análise etimológica ao seu nome. A palavra “realismo” remete-nos para acontecimentos reais, isto é, não ficcionados. A palavra “social” leva-nos a pensar, inevitavelmente, acerca da sociedade em que nos inserimos e em nós mesmos como seres sociais integrados nela. Ao juntar ambas as palavras e formando um conceito unificado, podemos concluir que o “Realismo Social” é um movimento que se concentra em expor, da forma mais fiável possível, a figura e a condição humana.

Os autores de obras do realismo social usam a sua forma de arte como uma arma para atrair atenção para os problemas-base da sociedade, incluindo a luta contra o status quo e o sistema de classes, que têm como responsáveis. Ao representar pessoas reais e o seu quotidiano árduo, os artistas recusam o romantismo e o impressionismo que outrora caracterizavam a arte. A ânsia de representar o mundo como ele realmente é deu lugar ao retrato de uma realidade diária pautada pela rudeza, que marcava a vida após a Revolução Industrial e a crise económica.

Debruçando-se essencialmente sobre a exploração da classe operária, geralmente tendo como figurantes operários fabris ou outros trabalhadores considerados precários, o realismo social viu-se numa demanda por um novo vocabulário e veio preencher um vazio no universo da arte ao trazer para a ribalta tópicos com importância social, impossíveis de ignorar.

 

Embora o “Realismo Social” possa ser mais facilmente relacionado com a pintura, é importante ter em mente que este movimento artístico afetou profundamente diversas formas de arte. Podemos encontrar exemplos notórios do “Realismo Social” em pinturas tais como “A Demonstração” (1934) de Antonio Berni. A pintura mostra uma multidão de homens e mulheres, desempregados, a marchar por uma rua. Um dos trabalhadores representados leva um cartaz pedindo pão e trabalho.

Manifestación (Public Demonstration)1934 by Antonio Berni

Na fotografia, também podemos encontrar bons exemplos de realismo social. A internacionalmente reconhecida “Mãe Migrante” é um bom exemplo. A foto foi tirada por Dorothea Lange ao passar por um campo de agricultores migrantes, quando esta estava empregada no programa de Farm Security Administration, do governo norte-americano. Florence Owens Thompson foi depois revelada como sendo a “mãe migrante” da foto.

Migrant Mother 1936 by Dorothea Lange

O cinema não foi uma excecão no que toca à representação da vida real. Foi no cinema que o “Realismo Social” encontrou um veículo essencial para a sua promoção. Alguns dos trabalhos mais notáveis neste campo vêm pela mão do realizador Ken Loach. “Riff-Raff” (1991), “Sweet Sixteen” (2002), “The Wind That Shakes the Barley” (2006) e, mais recentemente “I, Daniel Blake” (2016) são alguns exemplos do seu trabalho. O realizador Britânico insiste em mostrar ao mundo os problemas que assolam o seu país de origem. O seu filme “The Wind That Shakes the Barley”, de 2006, foi o vencedor da Palme d’Or no Festival de Cannes por explorar o conflito Irlandês, a “agenda oculta” do país e a motivação por detrás da criação do IRA. A sua segunda Palme d’Or veio mais recentemente, com o filme “I, Daniel Blake”

Ken Loach trabalha em estreita colaboração com Jonathan Morris, o seu editor de confiança. Jonathan Morris vai estar presente no FEST - Training Ground deste ano, com uma masterclass sobre a temática “Editar Realismo Social”.

Como um perito na área com anos de experiência de trabalho com este género cinematográfico, durante a sua masterclass Morris vai dissecar cuidadosamente o seu processo de edição, os requisitos que precisa de cumprir para que o resultado seja o mais fiável possível e os desafios que a edição do realismo social comporta. Os planos filmados e previamente editados em filmes de realismo social têm de capturar a atenção do público, fazendo-os acreditar que a situação representada é verídica, e não servem só o propósito de serem esteticamente agradáveis.

 

Não o perca nesta 15ª edição do FEST para poder ficar a compreender melhor o que o Realismo Social implica e o ativismo que lhe é tão característico.