New Directors | New Films
Long Review | Blue My Mind
20.06.2018

É sempre difícil para um adolescente lidar com a sensação de ser ‘estranho’. “Blue My Mind” de Lisa Brühlmann, é um coming of age que trata questões pertinentes da adolescência num registo que vai de encontro à fábula, adquirindo contornos tão grotescos como belos. Mia (interpretada por Luna Wedler) é uma adolescente que entra numa turma nova a meio do ano lectivo, e logo luta por se integrar no seio de um grupo com o qual se identifica, fascinada pelo seu arrojo, pelo seu estilo, pela maneira como eles desprezam o resto da turma e impõem a sua presença com uma dominância firme, mostrando não temer ninguém nem permitir que os pais interfiram na sua liberdade. O núcleo feminino tem Gianna (Zoë Pastelle Holthuizen) como ‘líder’, rapariga de quem Mia se tornará cada vez mais próxima e que influenciará determinantemente a sua perspectiva de vida durante este período.

Paralelamente, são várias as mudanças que ocorrem na sua vida, não só motivadas por si, como a necessidade de corresponder a um padrão que lhe permita ser aceite pelo grupo, fazendo-a mudar a sua própria aparência e alterar o seu comportamento, mas também as que surgem como fenómenos naturais da puberdade, como a primeira menstruação e a descoberta gradual do desejo sexual. Todavia, Mia não enfrentará estas transformações como as outras raparigas adolescentes. Durante este conturbado período de transição, há outra transformação no seu corpo que ela não consegue compreender e que não confia a ninguém, ampliando assim o sentimento de estranheza em relação a si própria. O seu corpo revela uma metamorfose diferente das outras raparigas da sua idade, quiçá uma metáfora da estranheza que os adolescentes por vezes sentem em relação a si próprios, e a qual tentam contornar recorrendo amiúde à fantasia, que é o que sucede na história de “Blue My Mind”.

Brühlmann segue o percurso de Mia nesta complicada fase de transição, debruçando-se sobre o seu conflito interior num desfasamento crescente. E, progressivamente, a fábula vai abraçando a realidade à medida que Mia vai manifestando os seus desejos mais íntimos, desde a perda da virgindade à necessidade de concretização de experiências por vezes extremas, como o consumo abusivo de álcool e de drogas, ou a adrenalina de roubar em lojas. A ânsia de vivenciar experiências cada vez mais extremas, até mesmo autodestrutivas, acompanha a metamorfose violenta de Mia, que gradualmente se entrega a uma reflexão existencial que parece enlaçar uma dimensão kafkiana. “Blue My Mind” propõe, deste modo, uma abordagem singular do universo feminino adolescente, aproximando-se do surrealismo e da fantasia sem nunca colocar de parte questões cruciais da realidade da adolescência.

 

Por Tiago Vieira da Silva

Retirado do Leuk Jornal | Edição 2 | 20 - 21 JUN 2018