New Directors | New Films
Realizador do Mês: Outubro (Ioana Mischie)
18.10.2016

A meados do mês de Outubro chega a altura de revelarmos qual é a figura que escolhemos destacar nesta série onde apresentamos os perfis dos 10 jovens cineastas que mais nos despertaram a atenção nos últimos tempos. Esta viagem, que terminará no início da próxima edição do FEST - Novos Realizadores | Novo Cinema (onde será apresentada a próxima “colheita” de artistas visionários), passa agora pela Roménia, já que a estrela de Outubro é uma das suas mais promissoras figuras: Ioana Mischie.

 

 

 

Numa era onde a sétima arte se encontra numa encruzilhada, com uma indústria em permanente convulsão a tentar acompanhar as constantes mudanças, a mistura de estilos e formatos está rapidamente a transformar-se na norma. É neste contexto que esta participante do FEST – Pitching Forum, Ioana Mischie, se destaca da multidão. A sua curta mas impressionante carreira parece uma descrição de como cada vez mais o conceito de transmedia se está a tornar numa alternativa válida, que permite uma mais completa expressão artística, utilizando diferentes plataformas audiovisuais.

Tal como aqueles que a rodeia o dizem, a jovem artista é uma espécie de “workshopaholic”, já que não mede esforços no que toca a tirar proveito dos muitos fóruns disponíveis a jovens cineastas, de forma a expandir a sua visão e alcance, permitindo-lhe reclamar o seu lugar próprio, num sector que nem sempre está preparado para a mudança.

"Between already and not yet"

“Ouvi falar em narrativa transmedia pela primeira vez em 2010, durante uma conferência no festival de Berlim...desde então, tenho vindo a explorar a sua genealogia e axiologia...documentei conferências, laboratórios e masterclasses sobre o tema em Cannes, Veneza, Berlim e Locarno. Completei a minha pesquisa e trabalho prático e comecei a criar conceitos e histórias, que foram selecionadas no I Doc 2014 (Suiça), Cross Video Days 2014 (França) – o primeiro mercado de cross-media europeu, Dok Tank 2015 (República Checa), e no The Steamer Salon 2016 (Israel)...pareceu-me natural continuar neste caminho e aprofundar a minha pesquisa no contexto do meu doutoramento na UNATC (Escola Nacional de Cinema Romena)” – disse a jovem cineasta.

Em 2013, em conjunto com um colega, criou a Storyscapes, a primeira organização de transmedia na Roménia. Dentro dessa estrutura tem vindo a desenvolver vários projectos diferentes. “ Desenvolvemos, até agora, projectos e experiências de transmedia sem ou com pouco financiamento, iniciamos novas workshops em grandes eventos como o Festival da Transilvania ou Kinodiseea Play, entrevistamos profissionais internacionais e continuamos uma pesquisa detalhada neste ramo”.

Talvez o seu maior sucesso até ao momento tenha chegado com o lançamento do projecto “Tattoo Twists”, uma serie focada numa “colecção de oito documentários sobre personagens específicas que explorava o íntimo processo de tratamento de tatuagens”. A sua participação no Cross Video Days foi instrumental, já que lhe permitiu conhecer Adam Gee, um agente do britânico Channel 4, que ficou de imediato seduzido pelo seu talento.

“Tattoo Twists”

“Naquela altura a plataforma da 4oD estava em processo de redefinição, e o nosso projecto revelou-se perfeitamente sincronizado a nível temático com a nova estratégia...umas semanas mais tarde o Adam contactou-nos com uma proposta para financiar o segmento linear do projecto – uma webseries sobre tratamento de tatuagens. Foi uma surpresa agradável e aceitamos o desafio...mal foi lançado o programa bateu todos os recordes de audiência no Reino Unido e foi de imediato seguido por uma segunda serie, MST (My Secret Tattoo) que correu igualmente bem”.

O projecto em si é bastante mais profundo e ambicioso do que posso aparentemente parecer. “Na minha óptica, o tratamento de tatuagens é uma metáfora poderosa para a forma como vivemos as nossas vidas neste mundo contemporâneo ecléctico. Vivemos frequentemente marcados por tatuagens internas e partilhamos mudanças constantes nas nossas vidas. (A serie) questiona conceitos como a memória, identidade ou auto-evolução. Tem como objectivo abordar dilemas como a luta constante entre o permanente e o instantâneo” – acrescentou Ioana.

A sua vasta experiência em workshops foi também a rampa de lançamento para um dos seus projectos mais recentes, a curta-metragem “237 Years”, um drama cómico sobre um grupo de aldeões fraudulentos, que é apanhado a tentar desvirtuar o sistema de segurança social romeno. Após uma estreia de sucesso no Festival de Palm Springs, seguido de projecções em vários eventos, incluindo o FEST 2016, “237 Years” é muito mais do que um mero filme. O caminho de constante mutação do projecto é um excelente exemplo de como esta jovem cineasta não se limita por métodos convencionais, e não tem qualquer receio em pegar numa ideia original para a transformar em algo muito mais alargado. Em 2015 venceu o prémio principal do FEST Pitching Forum, onde apresentou o mesmo projecto mas em formato de longa-metragem. Por essa mesma razão podem imaginar a nossa surpresa quando testemunhamos tão radical alteração.

“(O filme) tem é um universo de ficção expandido. Embora a versão de curta-metragem seja um primeiro passo muito importante, é apenas o prólogo para um universo muito maior...queríamos testas um fragmento da narrativa para a melhorar e expandir. Os nossos recursos eram muito limitados e, por essa razão, acabou por ser concebido como uma peça distinta e que existe por si só. No início só pensávamos nesta experiência como um teaser que nunca seria mostrado fora do contexto dos elementos da nossa produção. Mas acabamos por mudar de ideias e mostra-lo publicamente, de forma a abrir um debate, ouvir outras opiniões e expormos o trabalho a olhos frescos e explorar novas camadas de significados. Após esta experiência ficamos com uma ideia muito mais clara sobre como continuar – o que será alterado e o que será intensificado”.

"237 Years"

O cinema Romeno tem vivido uma longa série de anos de enorme sucesso. Cineastas como Cristian Mungiu, Cristi Puiu ou Radu Jude, entre outros, têm vindo a acumular êxitos estrondosos tanto a nível da crítica, como de sector comercial. Seguramente muita gente acreditará que esse sucesso será uma vantagem no que toca ao surgimento de novas figuras, mas outros acreditam que tão altas expectativas comprometem a renovação de ideias e personagens de relevo. A visão de Ioana Mischie situa-se mais ou menos a meio destas duas perspectivas: “Sinto que o sucesso recente do cinema Romeno ajuda tanto como dificulta...Poderá ajudar a nível exterior porque já existem conceitos e situações romenas bem difundidas no estrangeiro...mas também dificulta porque as expectativas são frequentemente exageradas”.

Apesar do sucesso geral do cinema do seu país, a nível local as oportunidades continuam a ser escassas como em qualquer lado. “A tendência nem sempre é encorajar jovens talentos, mas sim proteger os já existentes. Acredito que seria mais equilibrado manter um política que auxiliasse os dois. Ano a ano fica mais difícil, já que ainda não encontramos um modelo perfeito e um política clara de apoio a jovens talentos. Existe neste momento uma tentativa de reverter essa situação, mas ainda não houve tempo para a testar verdadeiramente” – acrescentou.

Felizmente os grandes talentos tendem a desbravar os seus próprios caminhos, independentemente do conjunto de condições que lhes é apresentado e Ioana Mischie não é excepção. A sua determinação é intimidante e o seu caminho é a prova de que o inicio de uma carreira na sétima arte nem sempre é linear, ao contrário do que tão frequentemente nos é apresentado. Apesar da sua tenra idade ela tem vindo a embarcar numa viagem através dos diminutos espaços que permitem o surgimento de novas vozes. Como tal, não restam dúvidas que os futuros trabalhos de Ioana Mischie devem ser uma prioridade no radar de todos os amantes de cinema.

 

Nota: Este perfil foi complementado com de uma longa entrevista que cobriu muitos outros temas e que infelizmente não nos é possível apresentar na íntegra neste pequeno perfil. No seguinte link os leitores do Leuklog poderão consultar toda a entrevista em inglês.